20 Dec
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O trabalho de Joachim Trier, cineasta norueguês está concorrendo a uma vaga na Categoria de Melhor Filme Internacional na próxima edição do Oscar. Seu filme tem se destacado como um dos mais fortes concorrentes à estatueta. Valor Sentimental representando a Noruega, concorre na Categoria da 83ª edição do Globo de Ouro. Ao lado dele, o Brasil segue páreo a páreo com O Agente Secreto, dirigido por Kleber Mendonça Filho. A França também está na lista com Foi Apenas Um AcidenteEspanha está com Sirât, a Palestina com A Voz de Hind Rajab e a Coréia do Sul está com A Única Saída, um filme que é descrito como um thriller de humor ácido com forte crítica social. Trier nos apresenta uma história bastante intimista, pessoal e forte no que tange a sentimentos verdadeiros e humanos. 

Renate Reinsve é a protagonista num elenco que conta com Stellan Skarsgard; Elle Fanning; Inga Ibsdotter Lilleaas e Anders Danielsen Lie. Reinsve já havia trabalhado com Trier quando protagonizou o excelente A Pior Pessoa do Mundo. Ela conquistou uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama e diante das cenas apresenta uma química magnífica quando atua ao lado de Skarsgard. São duas figuras excepcionais que deixam os sentimentos se aflorarem e gritarem o mais alto que podem diante de um roteiro muito bem-feito e bem escrito. O filme foi aplaudido por 19 minutos no Festival de Cannes deste ano. 


Quanto valem os nossos sentimentos 

Reinsve é Nora, filha de um cineasta Gustav Borg (Skarsgard) e mantém um relacionamento confuso com Jacob (Lie). Sua irmã Agnes (Lilleaas) é mais serena, carinhosa e apegada a afetos e família, enquanto Nora é aquele tipo de jovem que sente prazer e alegria em lutar e ir atrás daquilo que acredita por próprio mérito. Todo o filme gira em torno mais dos sorrisos do que dos diálogos. A sensação que temos é que nenhum esboço alegre que desponta dos rostos é sincero e honesto. Os olhares perfuram a nossa alma, pois carregam rancor, ambição, ganância, culpa, ódio, amor... Roteiro nenhum é capaz de decifrar isso, nenhuma língua com toda a sua gama de letras e palavras que possam construir é capaz de verbalizar o que cada olhar e sorriso transmitem. 

Nora não consegue se reconectar com o pai. Gustav não parece nutrir sentimentos verdadeiros pela família, sobretudo depois que a ex-esposa morre e as filhas se veem, repentinamente relacionando-se com um pai que por décadas decidiu se afastar da vida delas. Enquanto isso, Nora e Jacob assumem o papel de um casal de enamorados que não se assumem publicamente e isso não fica claro durante a maior parte de todo o filme. Gustav decide se aposentar da sua carreira cinematográfica e para isso escreve um filme em que a personagem principal é inspirada na própria filha. 

Neste cenário surge a personagem de Fanning, uma estrela de Hollywood, Rachel Kemp, que decide protagonizar o filme de Gustav. Nora Gustav e Agnes formam uma trinca de sentimentos ocasionais, mas muito intensos, ancorados na maioria das vezes no não-dito, não visto, não tocado e não vivido. Mas também, sentimentos que se ancoram em atos que tentam preencher um certo vazio, como as risadas disfarçadas entre um trago e outro no cigarro; os diálogos ácidos entre uma sala e outra. Na medida que as filmagens que o filme de Gustav avança, sua vida pessoal vai se descortinando. Um bom paralelo disso é quando ele fica sem palavras diante da interpretação de Kemp, numa mesa ou quando Nora chora escondido, um choro doído e silencioso que a corrói por dentro. 


A fábula na redação 

Os primeiros minutos do filme já nos emocionam e faz a gente segurar o choro. Uma narradora inicia a história contando de uma redação que escolheu a casa – um imóvel que atravessa o passado e atormenta o futuro – como sua personagem principal. Nesta narrativa, a casa ganha vida, ganha protagonismo, ganha sua própria história. Ela é guiada pelas intempéries da vida, é iluminada pela interferência da arte e é alimentada pelas gerações de uma mesma família que ali viveu e morreu. Alguns nasceram e se mudaram, outros ali permaneceram e alguns outros a convite, a conheceram. Quando o imaterial, o imóvel, o não-vivo ganha vida, a narrativa muda de performance, pois o que não se move, faz-nos tomar rumos que não esperávamos antes. 

Lidar com sentimentos humanos e na primeira pessoa é sempre um desafio e, em decorrência, assume características invasivas e desconfortáveis. O que Trier faz em Valor Sentimental é evoluir esse “não contato” em algo mais avassalador, doloroso e verdadeiro. Nas entrelinhas, ele nos faz questionar o quanto que um sentimento nosso vale e até em que ponto ele é verdadeiro e pessoal. Nos atos finais, surge algo mais humano que o amor, mas a dor, a solidão, a tristeza, a depressão... a morte. Fanning ganha destaque do segundo para o terceiro ato. Sua personagem começa a adentrar na vida de Gustav, na medida que as atuações vão evoluindo e a história vai ganhando estrutura. 

Valor Sentimental é sobre família, sobre a arte, sobre honestidade na profissão, sobre ação política, sobre as gerações que nos precederam e as que virão depois de nós. Sua presença nesta temporada de premiações é um reconhecimento merecido ao trabalho que Trier e todo o elenco faz ao decidir contar uma história tão pessoal como essa. Tão profunda, familiar e verdadeira. A vida não é uma atuação e atuar nem sempre é sobre viver, Nora tentou entender isso...



Por Dione Afonso  |  Jornalista

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