30 Sep
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A história de Jeff Dahmer inaugura o primeiro capítulo da série antológica Monstros, criada, produzida e comandada por Ryan Murphy e Ian Brennan, para a Netflix. O primeiro capítulo desta história é devastador, não pelo impacto da série, aliás, ela nem consegue transmitir a crueldade do autor dos crimes. 10 episódios extrapolaram o material que se tinha para narrar a história. Informações desnecessárias e a quebra de ritmo nos capítulos finais nos fizeram desconectar do horror que foi praticado nos episódios anteriores. Murphy é impecável ao decidir nos contar histórias que nem mereciam os holofotes da fama, contudo, desde 2020 para cá, é notório o quanto nosso público tem se interessado cada vez mais em consumir esse tipo de conteúdo, que, nas palavras de Garender (2010), parecem ser uma espécie de “heróis da pós-modernidade”. 

O primeiro capítulo, de 10 episódios, traz a horripilante história de um jovem que, munido de certo distúrbio mental, seja a sociopatia ou a psicopatia, não era revestido de sentimentos humanos para com outrem. Evan Peters dá vida a Dahmer. Uma atuação impecável, personagem bem construído. Na medida certa, Peters nos entrega um jovem frio, sem demonstração sentimental, nada emotivo, tímido, antissocial, mas que conseguia cativar aqueles de quem ele se aproximava por interesse. No elenco ainda contamos com Niecy Nash e Richard Jenkins. Enquanto Nash se destaca numa atuação visceral, profunda e poderosa, Jenkins apresenta o retrato de um pai que tenta corrigir os erros do passado, ao mesmo tempo que procura soluções e maneiras oportunistas do contexto perturbador em que vive. 


“Monstros” – de onde vieram e até onde vão 

Contando com apenas 18 anos, a escritora britânica Mary Shelley, nascida Wollstonecraft, escreveu seu primeiro livro. O romance Frankestein, que até hoje conta com mais de 60 adaptações cinematográficas, sem contar com a nova investida de Guillermo del Toro e da versão da cineasta Maggie Gyllenhaal, que chegará aos cinemas em 2026. Quando Shelley criou a história de Victor Frankestein, ela desejava escrever “uma história que falasse aos misteriosos medos de nossa natureza e despertasse um espantoso horror, capaz de fazer o leitor olhar em torno, amedrontado, capaz de gelar o seu sangue e acelerar os batimentos do seu coração”. Palavras da própria autora quando, anos mais tarde, uma editora a perguntou de onde nasceu a inspiração para seu primeiro livro. Um começo assustador na mesma medida em que é surpreendente, não é mesmo? 

Dando um enorme salto na história, saindo do campo da literatura e adentrando no fenômeno dos streamings, que, atualmente representam um crescimento no mercado que ultrapassa os 44,8% na audiência, enquanto a TV não atinge os 20%, só no primeiro semestre de 2025. Na última década, as plataformas digitais têm encontrado uma nova “mina de ouro” que cativam cada vez mais novos assinantes: os serial killers. Infelizmente, esse desvio humano de personalidade tem crescido e acabam se tornando grandes personalidades de interesse do público e da Sétima Arte. Em Monstros, a antologia da Netflix que resolveu abraçar estes personagens reais, vemos o quanto estas pessoas rendem público, interesse financeiro, ganham relevância, e oportunidades de contar a própria história. 

O crime de Jeff Dahmer chocou todo o país. Um jovem, aparentemente inofensivo, tímido, calado, que nunca teve uma ficha criminal, conseguiu, em menos de uma década, assassinar a vida de 17 jovens, entre eles, um menor de idade, e nunca levantou suspeitas das autoridades locais. O que cabe dizer aqui é que a produção encabeçada por Murphy e Brennan, conseguiu captar a essência de uma história horripilante, cruel, medonha e totalmente assustadora. Não só Peters brilha na atuação, mas damos um grande destaque à Nash, que interpretou a moradora Glenda Cleveland. Uma mulher que tentou dar fim ao que Dahmer fazia em seu apartamento, seja lá o que fosse, mas, por ser moradora numa periferia preta, ser mulher e pobre, não ganhava a atenção dos policiais. 


Uma história que congelasse as batidas do coração 

Ao evocar as palavras de Shelley, tentamos fazer um paralelo entre a literatura do horror e o terror que assola as nossas vidas reais. Na série, ficou um pouco a desejar o ponto de vista das famílias que foram atingidas pela dor do luto, da perda e pela crueldade de um elemento sociopata que não sentia nada pela outra pessoa. São jovens que tiveram suas vidas encerradas. Famílias que vivem seus dramas mais duros que a sociedade as impõe. Aqueles trotes que a família de migrantes recebe eram desumanos, e o pior, partia de quem deveria defendê-los. De alguém que deveria usar a farda que vestem para estarem do lado dos cidadãos de bem. A comunidade surdo-muda – não sei que termo é o mais correto aqui – mas o jovem que não escutava, vê-lo sendo arrastado para o seu triste fim e a mãe que lutou para reencontrar o filho, é uma das cenas mais dolorosas de todos os episódios. 

Por fim, acreditamos que, por mais que monstros como estes viveram entre nós, não podemos deixar que estas ações monstruosas nos atinjam, nos manipulem e nos façam perder o amor, a amizade e a compaixão. Tornar-se um ser humano consiste num pouco nisso. Acreditamos que humanidade nós adquirimos com o tempo, e com os valores que nos vão sendo transmitidos. O pai de Dahmer, Lionel, interpretado por Jenkins, termina a série sentindo-se profundamente culpado pelo rumo que a vida do filho tomou. A pouca presença da mãe também configura uma maternidade difícil e complicada. Talvez um acerto deste primeiro capítulo foi não tentar responder de quem foi a culpa, mas, talvez, mostrar até em que ponto nós conseguimos sustentar tal dor. E cada personagem dessa história conseguiu mostrar até onde foi capaz de viver e de sobreviver. Agora, vamos para Monstros: a História dos Irmãos Menendez, Assassinos dos Pais, o segundo capítulo desta antologia.




Por Dione Afonso   |    Jornalista

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