24 Sep
24Sep

O estilo cinematográfico simétrico, de cores vivas isoladas e com tons vibrantes em meio ao fundo saturado é sempre usado em narrativas mais profundas, reflexivas e de melodramas. Como bons exemplos, nós podemos citar o estilo de Wes Anderson, como marca registrada do cineasta e também os trabalhos que Paul Thomas Anderson realiza, que, geralmente utiliza desses recursos. Com Wes, nós sempre nos encantamos com os planos simétricos, enquanto Paul Thomas se vale dos tons desbotados usados sem reservas para dar destaques a cores vivas em detalhes que fazem toda a diferença na trama. Assim funciona com o novo filme do cineasta sul-coreano Kogonada. 

Quando assistimos a Amores Materialistas, de Celina Song, embarcamos numa história de amor marcada pela matemática. A protagonista de Dakota Johnson, quando questionada sobre o sentimento, ela afirmou que nada sabe sobre o amor, mas que é especialista em encontros, pois para ela, tudo é fruto de cálculos, bases materiais e conexões físico-departamentais. Kogonada nos apresenta o outro lado da moeda com o seu novo A Grande Jornada da Sua Vida. Desta vez, o protagonismo fica a cargo da dupla Colin Farrell e Margot Robbie, que se encontram graças a um GPS mágico que os faz embarcar numa jornada entre portas e memórias. Se Song apostou num amor calculado pela matemática, Kogonada vai apostar numa relação medido pelo verdadeiro sentimento. No elenco ainda contamos com a participação de Phoebe Waller-Bridge e Brandon Perea. 


“Portas são complicadas”

Os personagens de Farrell e de Robbie são tímidos. Iniciam a história sem expressão e apresentam uma característica bastante retraída e sem vida. É bonito e com o roteiro assinado por Seth Reiss, também é inteligente como que o filme consegue fazer crescer David e Sarah, à medida que eles vão se conhecendo, conectando-se e se permitindo, a cada porta aberta, revelar-se um pouco mais. Um bom relacionamento não está imune das traições, das mentiras, das dores, das perdas, das brigas. É oportuno abrir, sempre que possível, uma porta no meio do caminho e se permitir deixar-se levar. Como David, o personagem de Farrell nos ensina, “a vida fica melhor quando a gente está aberta a ela”. 

O filme de Kogonada nos deixa mais perguntas do que respostas. Enche-nos de perspectivas sobre a vida, o amor, a amizade, o luto, os erros, a família, o casamento e até sobre a morte. Você quer fazer a grande viagem da sua vida? Você sabe para onde vi a sua vida? Você sabe o que, de fato, você quer? Você vai terminar sua viagem sozinho? Você ainda sente medo de si mesma? Você está pronta para abrir mais uma porta? Você reconhece esta porta? Você sabe o que vai encontrar do outro lado? O roteiro de Reiss não está preocupado em nos responder a cada pergunta feita nas pouco mais de duas horas de filme. Pode ser que são respondidas. Na verdade, cada detalhe, gesto, olhar dos protagonistas, apresenta uma história. Pode ser, que numa delas, há as respostas para quase tudo isso. 

O filme é criativo, inteligente, simples, mas honesto, verdadeiro e com alma. Os tons vibrantes de amarelo, as roupas em vermelho vivo que Margot Robbie usa, se destacando no sol, na chuva, na floresta que possui um verde saturado, mas bonito, enche nossos olhos e enriquece o trabalho de fotografia de Benjamin Loeb. Loeb, com suas lentes, tentou captar mais que naturezas e constelações, mas a alma e o que ela possui e sente. Em cada porta aberta, um pedaço de memória era despojado na frente dos protagonistas, e tudo aquilo era vivido e/ou revivido de nova perspectiva, novos pontos de vista e de um lugar novo na própria história. 


Em cada porta, uma história 

Se, no meio da floresta, uma porta vermelha os levou a algo mais simples, mas intimista, a penúltima porta, pendurada num outdoor – o lugar não fez sentido nenhum – os levou ao conflito decisivo da vida adulta de cada um. Até os levar à porta dos sonhos, mas que não eram verdadeiros. “Os lugares mais lindos nos fazem sentir sozinhos”, afirmou David, quando os dois estavam no alto do mirante, contemplando o céu e a lua. Mas a vida é real e os dois precisavam encarar a realidade. Descer do monte, assumir o que sentem e se arriscar. O amor não é medido pela soma de duas pessoas, mas é acumulado pelos sentimentos de duas vidas. O amor não é calculado pela conta bancária, mas é rico pelos olhares, toques e paixões. O amor é risco, nunca será uma conta exata e sem erros. Amor não é matemática, aproxima-se mais da literatura, mas tem suas línguas e suas geografias. 

Antes de terminar, um destaque para a personagem de Waller-Bridge, que, tão simples e honesta, apresentou o alívio cômico nesta grande história de drama. Mas Sarah e David decidem abrir a última porta juntos, a fim de que possam se arriscar diante do que sentem e construir uma vida possível, a dois. “Eu não amo só uma ideia de você, eu te amo do jeito que você é”. A Grande Viagem da Sua Vida é um convite a nos aventurar confiando um pouco mais no que sentimos, amamos e sonhamos. Revisitar algumas portas pode nos ajudar a entender como que chegamos onde estamos hoje e o que poderíamos fazer para termos um destino diferente do que se tornou o que somos hoje.




Por Dione Afonso   |   Jornalista

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