Família Addams já existe entre nós há 95 anos. Criada pelo cartunista Charles Samuel Addams, os “Addams” tornou-se a representação do contrário daquilo que tem valor, que é bom e que é vivo. Uma família atípica que representa a sociedade ao avesso e nos coloca em atitude crítica diante de algo que a vida inteira tomamos como lei e como justo. Vale ressaltar que, por mais que seja um produto da ficção, viver como os “Addams” pode simbolizar ter a coragem de reverter conceitos que a durante toda a história ditaram as regras de comportamento e de relações. Nem sempre uma vida feliz, colorida e regada a sorrisos pode significar uma boa vida vivida na honestidade e felicidade.
Em 2022, o cineasta Tim Burton trouxe de volta a essência Addams para a série de TV pela Netflix. Wandinha, uma das personagens da “não adorável” família ganhou sua própria narrativa protagonizando uma história de muitas aventuras, medo, drama, sustos e uma pitada de terror cômico. Jenna Ortega é a atriz que deu vida à nossa personagem e a série contou com o brilhantismo de Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán dando vida a Mortícia e Gomez. O Feioso é vivido por Isaac Ordonez, Tio Chico é Fred Armisen e Tropeço é George Burcea.
Com visual impecável, figurinos e fotografia muito bem-feitos, Wandinha sabe nos conquistar ao não ferir a originalidade da obra. Contudo, sobretudo nesta nova temporada, percebe-se que a essência que deu fama e marca registrada a esta família de desajustados precisa reencontrar o seu ponto. Por exemplo: neste novo ano, Feioso, protagonizado pelo jovem Ordonez não corresponde ao que o filho caçula Addams representa. Na série, Ordonez nos dá um membro Addams medroso, recluso, sem ambições e sempre vivendo à sombra de sua irmã. Feioso é irresponsável, amante de aventuras perigosas e com risco de vida. Outro ponto é o do próprio Tropeço. Burcea, apesar de ter pouco tempo de tela, perdeu o senso de humor que conhecemos das obras originais.
Em contrapartida, a “trindade da família Addams”, composta por Mortícia, Gomez e Tio Chico, está perfeito e na medida certa. A versão de Gomez, interpretado por Guzmán é uma versão romântica, apaixonada, sempre de mãos dadas com o carisma e o romantismo. Já a Mortícia de Zeta-Jones encontra alguns empecilhos, quase todos motivados pela complicada relação dela com a filha Wandinha e que constitui o núcleo narrativa de todo este segundo ano. Zeta-Jones e Ortega nos entregam ótimas cenas quando juntas, mas no pacote geral, todo o drama sobrecarrega a narrativa. E temos Tio Chico, já anunciado no final da primeira temporada. Protagonizado por Armisen, o personagem é o que mais compreende a essência Addams. Tio Chico é, de fato, o ser reverso. O humano não-humano. O normal anormal. A anormalidade normal do dia a dia e da vivência.
Esta nova Família Addams encontra seus acertos e seus ajustes. Wandinha é aquela adolescente egoísta, mas que tem um coração. Para atualizar Addams para a geração 2000 e para os novos que chegam foi necessário dar à personagem um mínimo de sororidade. Os monólogos da personagem ainda continuam sendo um forte acerto em toda a obra da Netflix. Boa parte de tudo isso merece crédito ao cineasta Tim Burton que respira a essência Addams e sabe o que se deve e o que não se deve pôr na tela.
O grande vilão desta nova leva de episódios foi a multiplicidade de histórias que se abriram. Quando nossa atenção fica dividida demais, acabamos não conseguindo nos concentrar em nenhuma narrativa em particular. É o que acontece com a segunda temporada. Wandinha precisa lidar com um novo mistério, com um passado que – desnecessariamente – insiste em perturbá-la, com a sua relação complicada com a mãe, com a dificuldade em lidar com seu dom sobrenatural e de sua conexão com Enid, a melhor amiga.
Portanto, este novo ano nos deixa reféns dessa multiplicidade de histórias que precisaram sofrer o malefício do tempo para que encontrassem a sua conclusão. Dividida em duas partes, a segunda temporada ofertou uma tentativa de fechar o máximo de histórias possíveis até aqui deixando para a segunda parte uma única narrativa para conduzir Wandinha e seu mistério até o resultado. E mais: ainda não tivemos Lady Gaga nos 4 primeiros episódios, então, ainda, vem aí... Wandinha segue sendo uma referência da cultura pop para nós. A série tem seus erros e seus acertos e ainda vale a pena a nossa atenção.
Por Dione Afonso | Jornalista