A franquia Karate Kid tornou-se um grande sucesso entre a década de 1984 à 1994, quando lançou, neste período, quatro longas-metragens sobre a luta, o kung fu e o karatê. Em 2010, a franquia sofreu uma tentativa de reboot que ficou um pouco esquecida dentro da linha histórica, aquele que Jackie Chan protagonizou ao lado do adolescente Jaden Smith. Trata-se de um filme bom, é uma boa história. Anos se passaram, e em 2018, um projeto, tímido, mas promissor teve início com uma sequência de vídeos pelo YouTube. O sucesso era tão perceptível que a Netflix resolveu investir e, a série Cobra Kai tornou-se um grande sucesso do streaming entre 2018 a 2025, contendo seis temporadas e quase 70 episódios. A série é uma continuação direta da franquia de John G. Avildsen e trouxe de volta os atores Ralph Macchio; William Zabka; Martin Kove; Ian Griffith e Courtney Henggeler.
Mesmo sofrendo uma baixa que já era esperado na sua última temporada, Cobra Kai, mesmo sendo uma das melhores séries teen que há no streaming, a história foi demasiado estendida em seus capítulos finais. É o que acontece quando insistimos numa premissa que é sempre a mesma, sem sofrer alterações ou evolução. Karate Kid: Lendas é uma tentativa de colocar um capítulo final no seriado de TV. Contudo, o filme também sofre da mesma limitação: encontramos a mesma premissa dos originais. Contudo, a força na nova produção cinematográfica está não apenas na âncora nostálgica, mas também em dar espaço para que novos personagens possam evoluir e contar as suas próprias histórias. No filme Macchio reprisa o seu papel de Daniel LaRusso e Jackie Chan retorna como um antigo amigo sensei e que herdou a prática do senhor Miyagi [Pat Morita, in memoriam].
Quando revisitamos as obras de Avildsen, seus filmes são perfeitos retratos epocais que respeitam o contexto em que são inseridos. Vemos um LaRusso e um Lawrence jovens e cheios de sonhos sendo guiados por um mestre que viveu muito e que sabe conduzir a Nova Geração em caminhos seguros e menos violentos. A prática do karatê que Miyagi transmite para os jovens é mais que uma prática de autodefesa, mas, trata-se de uma ferramenta puramente humana e cheia de significados e sentido para a própria vida. Isso, fica-nos muito claro, sobretudo nas primeiras temporadas de Cobra Kai. Agora, vemos um LaRusso adulto, casado, bem sucedido, com esposa e filhos enquanto Lawrence é um adulto não tão bem sucedido assim, mas que, aos poucos consegue se desconectar de seu passado tentando dar uma nova direção para seu futuro.
Agora, sobre a direção de Jonathan Entwistle, o novo capítulo desta história insiste em apostar na mesma premissa: uma família muda de vida, sai da China e vem pra Manhattan, tentam se afastar do karatê, mas, adivinha? Tudo é karatê! Quem protagoniza a nova história é o jovem Li Fong [Ben Wang], que acaba gostando de uma garota que tem um ex-namorado lutador. Tudo muito clássico, não é mesmo? Parece que estamos revisitando as obras de 1984 em diante e isso não é tão ruim assim. Mesmo com a presença de Chan e de Macchio, os adultos deixam os jovens atores falaram e dirigirem as suas próprias narrativas. E é assim que o novo capítulo da franquia ganha força e razão de existir.
Em sua primeira temporada, a série não precisou se esforçar muito para ganhar o público. O retorno de Macchio e de Zabka foi suficiente para garantir o sucesso. Depois, mesmo investindo em temas sociais e de dramas juvenis, os novos capítulos não se afastaram de sua identidade. A quarta temporada sabe onde quer chegar e investe pesado, tanto no elenco, novos e da trilogia original, quanto nas narrativas.
A série de TV não terminou de maneira muito gloriosa, pelo menos, não com o mesmo glamour de seu início. Seis temporadas podem significar que a narrativa se estendeu para alguns capítulos a mais e que, talvez poderia ter sido resumido. Contudo, Cobra Kai não perde a sua relevância, credibilidade, beleza e sentido. A série não fez rodeios e tratou com coragem e seriedade temas como o bullying, o preconceito, a violência tanto doméstica, quanto social, o racismo, até mesmo temas como migração, xenofobia, segregação de classes, dramas escolares... Até em dilemas familiares e conjugais a série soube dar um trato bastante especial. Um roteiro de primeira e uma produção com ótimas atuações, direção de elenco e diálogos profundos e honestos.
Estamos diante de algo que é mais que um simples legado. Talvez Karate Kid: Lendas não seja um capítulo final, como foi vendido pelo marketing. Por outro lado, apostar na mesma premissa pode não ser o suficiente para dar continuidade narrativa. Até Cobra Kai experimentou fazer isso, o que funcionou até certa temporada, depois, ela foi se perdendo. O filme que chegou a nós agora é pequeno, curto, resumido, mas muito bem feito. Bem narrado, construído. Encaixa-se perfeitamente na linha cronológica, inclusive, tira o filme de 2010 do limbo e o traz de volta elevando-o como um capítulo original e não como um reboot. A obra merece nossa atenção e um voto de credibilidade. É um bom programa em família. Não há tantos ensinamentos profundos como a série antecessora, mas nos garante um pouco de humor e boas atuações.
Por Dione Afonso | Jornalista