15 Jun
15Jun

Um grande sucesso da TV Globo da década de 1980, a telenovela Vale Tudo criada por Gilberto Braga, escrita por Aguinaldo Silva, produção foi ao ar prometendo grandes reviravoltas na história da TV brasileira. Agora, quase 30 anos depois deste sucesso, o remake é adaptado pela escritora Manuela Dias que chegou na sua 11ª semana no ar. No capítulo 66 assistimos o personagem Renato Filipelli, protagonizado pelo ator João Vicente de Castro, sofrer uma espécie de ataque cardíaco. No hospital, ele foi diagnosticado com a síndrome do Burnout e, os médicos o afastaram do trabalho, do celular e de tudo o que possa o estressar. A OMS detectou que no Brasil, ações judiciais de clientes que alegam sofrer a síndrome em ambientes de trabalho, têm crescido de 2024 para 2025. A Justiça do Trabalho relata um aumento de quase 15% dos casos. A síndrome de burnout foi oficialmente incluída na Classificação Internacional de Doenças [CID-11] da OMS como uma condição ocupacional, com o código QD85, a partir de 2025. 

A plataforma de streaming Netflix, lançou o filme Até a Última Gota, que é protagonizada pela impecável Taraji P. Henson que dá vida a Janiyah Wiltkinsnon. Mãe, ela dividia sua vida com a filha de 8 anos numa pequena casa alugada. Janiyah, tentava sustentar a filha Aria mantendo dois empregos e uma vida super corrida e sofrida nos subúrbios de onde vivia. Apesar do filme fazer uma reflexão sobre o Burnout, o que a personagem de Henson nos transmite vai além do desgaste emocional com a vida que leva. Não é possível fazer aqui um paralelo com o que assistimos em Vale Tudo, com o personagem de Castro. Mas, há sim um descontrole emocional em ambos os casos. Mesmo que vivam em classes sociais díspares e em condições financeiras totalmente opostas, Janiyah e Renato se descontrolam: ele infarta, ela, perde o controle da vida. 


Não é caso real, mas é a realidade de inúmeros casos 

O filme tem uma temporalidade de 24 horas. Janiyah acorda para sobreviver à mesma rotina: dar banho na filha, arrumá-la, deixa-la na escola, ir para o primeiro trabalho e seguir seu dia. Contudo, esta rotina é interrompida: tudo começa a sair dos trilhos. Na escola, a filha parecia sofrer bullying; no trabalho, os clientes começam a reclamar do atendimento. Resultado? Janiyah, num único dia perde: o emprego, seu dinheiro, o carro, o controle das emoções... perder... a filha. Vale destacar que estamos diante de uma mulher, negra, pobre, de classe média baixa, que tenta sobreviver com o pouco que ganha para pagar o aluguel, sustentar a filha e não deixar que falte pra ela os medicamentos para suas convulsões. Janiyah não consegue acolher o luto pela perda da filha, que faleceu na noite anterior. 

Ganha destaque no filme a chegada da Detetive de Polícia, Kay Raymond [Teyana Taylor] que tenta mediar uma situação de reféns e assalto a banco. Janiyah, de uma hora para outra se vê com uma arma na mão, dentro de um banco tentando sacar seu dinheiro para dar continuidade a um dia que já não pertence a ela. Nós, humanos, temos dificuldades em lidar com perdas e, não costumamos aceitar que nosso dia pode sofrer alterações. Janiyah, depois que a filha não consegue superar uma convulsão, tenta sustentar o dia na mesma rotina: acordar a filha, dar banho nela, deixa-la na escola e ir para o trabalho. Tudo desmorona quando ela não consegue os 40 dólares para a filha lanchar. A última gota cai quando esses míseros 40 dólares não são conquistados para que a filha não sofra mais um dia de chacota dos colegas na escola. 

Raymond, portanto, com a ajuda da gerente do banco, Nicole [Sherri Shepherd], consegue manter a sobrevivência de todos que estavam presos dentro do banco. Nicole também ganha coração neste filme quando percebe que o que Janiyah precisa é de uma companhia e de alguém que possa ficar com ela até o fim. Ela perdeu tudo o que tinha e nada mais importava para sua vida. Ao ver em Nicole algo em que possa se agarrar, ela consegue reconhecer o mal que fez e o filme termina com a ação pacificadora de Raymond ao lado do FBI e de toda a Polícia local. 


Sobreviver a dias em que tudo dá errado 

Janiyah só viveu um dia em que tudo deu errado! E em que todos desejaram o mal para ela. Não nos esqueçamos que ela estava trabalhando no caixa do supermercado com um luto reprimido. Sem aceitar que a filha morreu, ela tentou sustentar o seu dia com o melhor que tinha. Ela sofreu os abusos de poder de um policial que, mesmo estando errado, provocou nela os instintos de sobrevivência que a levou ir atrás do que era dela por direito... o que a fez tomar decisões não muito corretas. O filme, de certa forma tenta humanizar o sofrimento. Ele peca ao se esforçar demasiadamente ao elevar os atos criminais. Não que não possa acontecer na vida real, contudo, foi tudo elevado demais, exagerado demais, forçado demais.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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