Em 7 Prisioneiros, Rodrigo Santoro, pelas lentes do cineasta Alexandre Moratto, protagoniza uma história fictícia em que jovens vulneráveis e sem perspectivas de vida, vê no lixão uma chance de ganhar alguns trocados. Claro que Moratto acaba subvertendo a lógica do sistema e inclui na narrativa elementos de drama, abandono, violência, máfia e abusos. Geralmente, quando estamos diante de uma narrativa em que o mundo do lixão e das pessoas que vivem dele estão no centro, dificilmente encontramos alguma veracidade naquilo que o roteiro nos propõe. Além do mais, esse tipo de narrativa está em falta, tanto na TV quanto no cinema, por não se valer de algo que nos aproxime da realidade com um pouco mais de credibilidade e de veracidade.
Se a personagem Gal (Shirley Cruz) é uma mulher real ou não, não nos importa muito. Mas o filme que Anna Muylaert nos entrega foca na vida de uma mulher, pobre, preta, com dois filhos e que vive como catadora para sustentar a família. Há, no mundo muitas “Gals” por aí que vivem nas ruas, puxando e empurrando suas carroças cheias de material reciclável afim de garantir alguns poucos trocados para ter um mínimo de dignidade. Shirley Cruz entrega uma atuação dolorida, pois ela encarna a vida de uma mulher que sofre, que chora, que grita e que se cala, na maioria das vezes. De uma mulher que corre do marido Leandro, que é abusivo, violento e alcoólatra (Seu Jorge). Foge carregando os dois filhos ainda na pré-adolescência, Benin (Benin Ayo) e Rihana (Rihanna Barbosa).
Depois do grande sucesso de Que Horas Ela Volta?, personagem de Regina Casé, diretora se volta para Gal, mais uma mulher que toma o centro da nossa atenção. Uma mulher com suas lutas, suas dores, seus dilemas... Cruz é uma potência na atuação, e ela entrega uma personagem que não teme o frio da noite; não encontra obstáculos nas ruas; não teme o trânsito, não se assusta com a chuva e não reclama. Sua carroça é seu ganha pão; nas lidas do dia a dia, amigos e parceiros vão se unindo, reunindo forças para que a vida não se torne tão amarga. Gal ainda tem que lidar com aquelas amizades que, ao contrário, são oportunistas querendo algo mais em troca de dinheiro ou outro tipo de ajuda. Mesmo quando Cruz se deixa entristecer com a situação, ela revela que sua personagem ainda é capaz de erguer a cabeça e seguir em frente.
Infelizmente o roteiro não é forte o bastante, mesmo assim, Gal é mais do que mãe: é mulher, é trabalhadora, é catadora, é família, é tudo o que seus filhos têm... É torcedora do Corinthians, é amiga e caridosa. Mesmo tendo pouco, ela ainda empresta do pouco que tem. A grande aventura que ela submete seus filhos para fugir do marido violento é a grande sacada do filme. Por mais que o filme navegue numa corda bamba, nele há coração, há honestidade, há verdade ali naquela história. Por isso que esta mãe que é a melhor do mundo, por conta de sua humanidade, sua leveza e seu amor pela família, merece um mundo ... e... um filme melhor para ela e para seus filhos.
Por Dione Afonso | Jornalista