Direcionado por um roteiro que escapa aos limites do tempo, borbulha violência e incerteza, delicia-se com a confusão e mentes perdidas, com trocas de perspectivas e com personagens que se encontram em algum ponto da narrativa, o cineasta Zach Cregger que, ironicamente tem uma linha artística vinda da comédia, entrega-nos mais uma obra digna de nossa atenção. Em 2022, ele trabalhou ao lado de Bill Skarsgard que protagonizou o perfeito Noites Brutais. Um terror que se sobrepõe a quase todos os conceitos do gênero e invertem os clichês que há tanto conhecemos. A narrativa de Cregger em suas obras não se contente em simplesmente nos assustar, mas ele faz do susto algo que engrandece e nos faz querer “apanhar mais”.
Essa mesma descrição encaixa-se em A Hora do Mal, filme muito elogiado pela crítica a ponto de alguns já o considerarem a melhor experiência cinematográfica de 2025. Depois do sucesso estrelado por Skarsgard, agora o elenco reúne Julia Garner; Benedict Wong; Josh Brolin e Alden Ehrenreich. Justine [Garner] é uma professora que, num belo dia precisa lidar com um mistério: de toda a sua turma, apenas uma criança comparece à aula. Mediante investigação, descobre-se através de câmeras de segurança e outros indícios de que todas as outras crianças desapareceram no meio da noite às 2h17 da madrugada. Marcus [Wong], o diretor do colégio assume a tarefa de trazer de volta a normalidade da pequena cidade enquanto Archer [Brolin], pai de um dos desaparecidos não se conforma com o descuido da investigação.
Quando o filme estava na esteira da estreia, alguns rumores endossaram a questão de que o novo trabalho de Cregger estaria embasado em fatos reais. Calma! O filme não traz nenhum fato que ocorreu. Em entrevista, Cregger revelou que uma das cenas centrais de todo o filme e que se tornou algo assustador foi inspirada na fotografia de Nick Ut, que ficou mundialmente conhecido pela foto “Garota Napalm”, capturada em 1972, durante a Guerra do Vietnã. Na foto, uma criança vietnamita queimada aparece correndo após um ataque aéreo. Tal imagem inspirou uma das cenas mais perturbadoras do longa. E por falar em fotografia, o trabalho de Larkin Seiple, diretor de fotografia de A Hora do Mal realizou um trabalho impecável, pois somente através de suas lentes é que compreendemos o quanto que cada canto daquela cidade exala terror e medo.
O susto, o pavor, o medo, o terror não está concentrado no sangue, nas mortes e nem na violência sobrenatural, na verdade, isto aparece muito pouco. A cada silêncio, a cada noite e a cada porta que se abre ao longe, traduz para nós algo que corrói nossa consciência. O filme dá uma virada surpreendente quando entra em cena a personagem de Amy Madigan, tia de Alex Lilly [Cary Christopher], a úncia criança da turma de Justine que não desapareceu. A cada perspectiva narrativa e a cada história contada sobre o ponto de vista de cada personagem, Cregger tem a consciência de que tudo deve e precisa se conectar no final desta história. Madigan é crucial para que esta conexão aconteça. Madigan é a personagem que insere cores à paleta de todo o filme que se concentra em tons de cinza, preto e tons de azul cinzento. Madigan entra em cena trazendo um cabelo assustadoramente laranja, maquiagem carregada, é a personagem que sorri e que tenta aparecer gentil e tranquila.
Contudo, é nas cores que o mal se estabelece. É por trás do sorriso que a maldade se manifesta e o sobrenatural encontra a armadilha perfeita. O último ato desta história é grandioso e assustador na mesma medida. As atuações deste filme estão impecáveis, inclusive são os atores que conseguem equilibrar a história e “corrigir”, de certo modo, os furos da narrativa. Lidar com tantos pontos de vista em duas horas de filme não é uma tarefa muito simples, portanto, ter no corpo do trabalho, boas atuações é uma decisão acertada para que tudo aconteça. A Hora do Mal é mais uma obra de arte que eleva o gênero do terror a um bom patamar de apreciação e relevância. Tal qual Noites Brutais, aqui os clichês do gênero tornam-se grandes armas narrativas subvertendo o que nunca esperamos que aconteça na história.
Por Dione Afonso | Jornalista