Estamos no Iraque, em 2006. A guerra, que durou quase uma década [2003-2011], estava no seu ponto mais crítico. Civis eram assassinados, a violência chegou em níveis extremos, invasões e atentados fora de controles perturbavam as poucas chances de sobrevivência. Soldados dos EUA se agrupam num vilarejo, montam guarda e ficam à espreita com permissão para atirar nos elementos da Al-Qaeda. A obra, que é comandada por Alex Garland e Ray Mendoza se aproxima mais de um documentário de guerra do que de uma ficção. Aliás, é difícil caracterizar tudo o que assistimos como mera arte ficcional. Tudo o que está diante de nós, na tela, é baseado em relatos originais dos próprios soldados que participaram da missão.
O elenco é grandioso: Will Poulter, soldado Erik, o oficial que é o líder do grupo; Cosmo Jarvis; Kit Connor e Joseph Quinn, que interpretou o soldado Sam e que nos deixou apavorado com sua atuação quando ficou ferido. Seus gritos de dor e sua perna dilacerada e com feridas abertas depois de uma bomba explodir ainda estão ressoando em nossas mentes. Seguimos com Charles Melton; Noah Centineo; Taylor John Smith; Finn Bennett e D’Pharaoh Woon-A-Tai que interpretou o próprio Mendoza. Mendoza era o oficial responsável pelas comunicações, que transmitia o status da missão, as ameaças nas proximidades, informações importantes para garantir a sobrevivência do grupo e os pedidos de resgate. O filme é curto, contudo, muito visceral, e com cenas muito claras do que é a guerra, de fato.
Não há diálogos longos; não há espaços para piadas; são poucos risos; tudo é comunicado ou por Mendoza ou pelos olhares. Até a troca de vigia é feita de forma seca e real. Poulter, quando diz que a forma de os encontrar é onde houver sangue e fumaça, delibera uma das narrativas mais intensas de todo o filme e que garante sua perfeita atuação. Quinn é apavorante com sua atuação, antes e depois de ser ferido. Seu personagem, quando é atingido, acaba se tornando preocupação central de todo o grupo. Os gritos de dor é o único barulho capaz de ser notado naquela casa que o grupo tomou para si. Isolou a família que ali vivia e manteve posse do recinto como uma base de organização e vigilância.
Toda a narrativa é muito real. Garland sabe, muito bem, conduzir histórias de guerra. Dirigir narrativas em que o horror de uma luta ou massacre parece soltar da falta de palavras. Numa guerra, há muito o que ser dito, mas há pouco a ser falado. Mesmo com as cenas perturbadoras, a câmera de Garland e Mendoza não nos dá a opção de desviar o olhar. Vemos o horror e o resultado do que uma guerra é capaz de fazer e o que ela deixa para trás quando termina. Warfare conta-nos uma história real, é visceral, é cruel e desumano. Estamos diante de memórias de soldados que estiveram lá, representando seu país e que ficaram isolados, presos em uma missão que deu errado. O filme não tem lacunas, e as imprecisões são aceitas quando o público percebe que ali tudo é muito natural, porque é memória, é fiel.
A grande virada no filme é quando Woon-A-Tai recebe a notícia de que a missão foi comprometida. Quando isso acontece, a calma e o silêncio que inaugura o começo do filme, de repente se transforma em estilhaços, barulhos, tiros, gritos e confusão. O público não foi preparado para essa mudança de ato, e, nem muito menos, os soldados estavam prontos para serem encurralados. O caos não é controlável. O que nos resta nesta hora é mergulhar na bagunça e tentar sobreviver à confusão. O cinema aqui é essencial, porque ele determina o quão verdadeiro é o que está transmitindo na tela. Warfare parece muito cruel e desumano, mas, o que há de humano numa guerra? O que assistimos não são verdadeiros episódios de crueldade e falta de fraternidade?
Numa guerra, não há vitoriosos. Todos perdem. A vitória não consiste no controle de poder ou num ato de sobrevivência. Atualmente assistimos o que os cidadãos ucranianos estão passando com os atentados; Palestina e Israel numa briga interminável por território... Os SEALs dos EUA e Iraque numa guerra que não os levou a nada. Tudo para provar quem tem mais poder e quem pode mandar e desmandar. No filme, Mendoza, que também é um soldado e está no coração da guerra protagoniza uma história de terror. É possível notar que os cidadãos iraquianos não são retratados no filme, apenas a família daquela casa que eles invadiram. Pai, mãe e filhos assistem ali a um episódio de puro terror na vida deles.
Warfare é um filme honesto e verdadeiro que trata a temática sem piadas e sem comentários que romantizam uma disputa bélica. Além de podermos ter na mesma tela atores como Connor, Centineo e Quinn, isso é um presente. Jovens atores que estão se destacando em seus trabalhos e que merecem nossa atenção. A atuação de Woon-A-Tai é uma grata surpresa para nós. Todo filme que retrata um contexto de guerra é um filme que tem a capacidade de prender nossa respiração, deixa-nos tensos e nos faz virar o rosto quando algo horrendo se desponta das telas. Ao mesmo tempo, é aquele tipo de filme que mexe com nossa consciência, chama a atenção dos estúdios e das Academias de premiação. A guerra é um submundo cruel, sem vida e sem esperança, mas, mesmo assim, ela tenta manter a humanidade daqueles que foram escolhidos para estar ali.
Por Dione Afonso | Jornalista