29 Sep
29Sep

Só sabe o que se vive num país em guerra, quem está lá! Pisando o chão chamuscado, respirando o ar contaminado, ensurdecendo-se com os tiros, barulhos, e gritos de armas e de pessoas. Até tentamos descrever, tentamos delinear sentimentos, reações, mas é quase impossível adentrar no que, de fato, define uma guerra ou um conflito violento e cruel. Trata-se de uma atmosfera permeada de confusão, brigas de egos e de poder. A violência é sempre o prato principal que nos enoja e deixa-nos enjoados. Encontramos algumas ambiguidades quando a política ou a religião surgem com discursos revolucionários. É difícil saber onde e em quem confiar. Todos estes atributos estão presentes no novo trabalho do cineasta Paul Thomas Anderson, quando nos entrega Uma Batalha Após a Outra. 

O filme adapta a obra fictícia “Vineland”, do escritor norte-americano Thomas Pynchon. O livro é ambientado na Califórnia, meados de 1984. Pynchon usa da história para introduzir conceitos políticos e sociais como a urgência de uma revolução que derrube o poder militar; a supremacia branca que insiste em manter sua existência em detrimento dos demais; o machismo violento que trata as mulheres como objetos de prazer; a perseguição política determinada a “expurgar” todos os que são contra o regime imposto... Protagoniza o novo filme de Anderson Leonardo DiCaprio, que vive Bob, um desajeitado revolucionário, mas bem-humorado e consciente de sua luta. Elenco ainda traz o brilhantismo de Teyana Taylor, vivendo entre uma ambiguidade moral e ética, dá vida a Perfídia, parceira de Bob; Chase Infiniti, como Willa, filha de Bob e Perfídia e que é responsável pelo fio condutor da trama e do ato final; Sean Penn, o general carrasco Steven J. Lockjaw; Benicio Del Toro, como o sensei Sergio e Regina Hall como a revolucionária Deandra. 


Quando a trilha sonora se torna personagem 

Paul Thomas Anderson nunca errou! Se um dia ele errou, ele errou com consciência, acreditando ser seu erro um grande acerto. Desde que ele se apresentou no universo da Sétima Arte, com o seu Jogada de Risco (“Hard Eight”, 1997), Anderson coleciona 11 indicações ao Oscar, o mais recente é por Melhor Roteiro Original em Licorice Pizza, (2022)Agora, em Uma Batalha Após a Outra, o cineasta, mais uma vez chama a nossa atenção. Há postagens, e manifestações em sites de notícia e redes sociais de que o filme é o número 1 do ano e que será o preferido nas futuras premiações. O primeiro destaque que damos ao trabalho é para o excelente recurso da trilha sonora, ministrada pelo companheiro de trabalho, o músico Jonny Greenwood. 

A música fala, manifesta-se, grita, reclama e nos faz participar de seu universo que por vezes é confuso, enigmático, ambíguo e muito desumano as vezes. O primeiro ato do filme é um soco no estômago. A história nos deixa de olhos arregalados diante da tela tentando não perder nenhum detalhe até compreendermos o que está acontecendo. Perfídia é uma mulher totalmente maluca, mas consciente do que ela está determinada a fazer. Sua relação de puro ódio e vingança com Lockjaw é doentia. Achamos que a vida dele terminaria ali, mas o roteiro tinha planos para ele. E que planos. Apesar do longa se basear numa obra de ficção, suas provocações nunca se tornaram tão atuais como os dramas sociopolíticos que estamos vivendo no mundo hoje. 

O fato deste filme ser lançado exatamente agora, dentro de um contexto de guerras bélicas; conflitos políticos e de interesse político em determinados países; rixas religiosas que também incluem interesses políticos; ódio e desprezo aos migrantes; morte de crianças na Faixa de Gaza; a guerra da Ucrânia que é desprezada até pela mídia, mas que ainda está lá, presente no dia a dia daqueles cidadãos... O filme de Anderson chega como um grito de alerta e de socorro: até onde vamos? Quando iremos parar? Por que ainda insistimos naquilo que nos faz mal, nos mata? O que ganhamos com isso? O que o outro tem que é tão impuro para nós? Por que este ódio destilado à existência das outras pessoas? 


Um roteiro digno de seus personagens 

Algumas críticas e opiniões sobre o filme afirmam que em determinado momento o roteiro que Anderson adaptou parece se esquecer do personagem de DiCaprio em determinada hora do filme. Não acreditamos que houve isso de fato. Como afirmamos, se alguma vez na vida, Anderson errou, ele errou de propósito, revelando que o erro faz parte da narrativa. O que acontece com Bob a certa altura é o reflexo do que acontece com todo aquele que passa a maior parte da sua vida lutando e uma hora, quando acha que está tudo bem e que não precisa mais se preocupar, ele relaxa. Permite se esquecer daquelas dores, lutas, batalhas, guerras, perigos, para se dedicar um pouquinho à sua existência, vida, e, no caso de Bob, à família. 

Aqui entra a filha Willa que é magnífica pela atuação de Infiniti. A jovem atriz já tem em seu currículo grandes nomes de Hollywood e não deixa por menos em seu trabalho. O bacana do roteiro de Anderson é que ele não faz da filha simplesmente um objeto de resgate para conduzir a narrativa e nem um elemento central de vingança. Willa é a força do ato final e nos conduz a uma descoberta de saberes, poder e de resistência. Todo o filme é sobre resistência, não só política, mas resistir até mesmo contra aquelas forças internas que a impedem de caminhar, erguer, progredir e a amar a si mesma. Magistralmente o filme termina com a cena vingativa e traiçoeira de Lockjaw entregando-se a um regime que insiste em não mudar. “Corte uma cabeça e outras duas nascerão no lugar”.




Por Dione Afonso   |   Jornalista

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