25 Apr
25Apr

Desde o surgimento de Nosferatu [1922], o primeiro vampiro do cinema, criado por Bram Stoker, o famoso “Drácula” – Conde Orlok – se desenvolve em novas e atuais narrativas. A cada ano, a arte tenta se superar adaptando histórias, atualizando conceitos, traduzindo sentimentos. A febre dos live-actions que reinterpretam os clássicos infantis da Disney estão aí para consolidar nossa teoria. O que não é sinônimo sempre de sucesso ou de boa aceitação, contudo, sempre surge a possibilidade de se recriar algo novo. A obra, sobre a qual dissertamos hoje não se encaixa neste padrão clássico. Pecadores foge do convencional sobre histórias de vampiros. O que assistimos é uma narrativa mais encorpada, recheada de inovações que embelezam a trama. 

Ryan Coogler é quem coordena a direção. Ambientado no sul dos EUA na década de 1932, os gêmeos Elias e Elijah Moore, interpretados pelo incrível Michael B. Jordan, os irmãos, depois de adultos, decidem retornar ao Mississipi, sua cidade natal afim de buscar um recomeço para suas vidas. Ricos, bem-sucedidos e inteligentes, com espírito empreendedor, eles inauguram uma nova casa de música do bom e velho Rock Blues. A presença do vampiro Remmick [Jack O’Connell] altera os planos dos gêmeos e instaura uma era de medo e pavor. Hailee Steinfeld; Li Jun Li; Wunmi Mosaku; Jayme Lawson; Delroy Lindo e Miles Catton completam o elenco. 


O mal sabe ser bom 

Com boa música, diálogos persuasivos, respostas convincentes e atuações de bom grado, a criatividade com que Coogler coordena esta produção é magnífica. Pecadores sabe nos conquistar quando o mal consegue se transfigurar em sorrisos cativantes e melodias com danças muito bem coreografadas. O’Connell é um excelente vilão. Em sua atuação, o mal sorri, canta, dança, toca violão e se aproxima com gestos amigáveis. O que incomoda muito durante o filme é a ausência de cor, mas as luzes são muito bem postas. A saturação das cenas, mesmo nos grandes campos de algodão com seus trabalhadores é angustiante. Algo que poderia contribuído um pouco mais na qualidade da fotografia de Autumn Durald Arkapaw. 

O mundo vira as costas para nós. Ele rejeita toda manifestação de comunhão, todo caminho de fraternidade, reforça o individualismo, abraça o pessimismo e é apaixonado pelo capitalismo. A conversão ao mal e o desejo pelo pecado é o caminho que cada homem e mulher devem assumir, uma vez que a faceta monstruosa já circula nas veias e na essência da falta de humanidade que nos habita. Talvez, a ausência de cor, até mesmo o fraco tom vermelho do sangue possa reproduzir e reforçar esta mentalidade doentia do que a ausência de amor e de humanidade provoque em cada um de nós. O que Jordan tenta transmitir a nós é que a tentativa por salvação pode se tornar uma força exaustiva e sem respostas positiva, uma vez que não é este o nosso desejo mais profundo. 

Elias Moore vê seu irmão se entregando à desumanidade de uma maneira muito cruel. Como bons empreendedores, bons de conversa e convincentes quando precisam, Elijah se vê perdido e totalmente desolado quando percebe que ele e o irmão estão de lados opostos nesta luta pela humanidade – ou pela falta dela. O filme também não consegue lidar com seus personagens coadjuvantes. Steinfeld acaba se tornando apenas uma escada para o vilão, uma personagem desnecessária, apesar de ter tido uma entrada poderosa e promissora. Li é uma mulher forte, mas ganha sua força apenas no último ato e Lindo faz jus ao seu personagem, se este for encarado como um fracassado que não sabe que lugar deveria ocupar neste mundo. 


Quando a boa música é um pesadelo 

Por fim, o roteiro que Coogler também assina se revela com toda a sua maldade. Cada um dos que lutam ao lado de Elijah se perdem quando são atingidos pelo gatilho que os faz se descontrolar e se perderem. Por outro lado, a turma de Remmick só deseja se divertir, conquistar seu lugar e controlar o mundo. Pelo menos o que os rodeia. O contexto histórico que o filme é ambientado também traz a luta racial que o país teve que enfrentar. Jordan também humaniza uma história de superação, humanidade e de igualdade social. Sammie [Catton] o jovem primo dos Moore acaba se tornando a grande chave e solução de todo o mal que a história teve que encarar. Fogo, alho, água benta, luz do sol e a morte do criador continuam sendo eficazes na luta contra os vampiros. Algumas coisas nunca mudam, ainda bem! 

O sacrifício de Slim [Lindo] perde sua força, mas não por culpa do roteiro, é graças à força extraordinária do vilão. A briga dos gêmeos é o perfeito traço da luta entre o bem e o mal que a humanidade enfrenta; que os sistemas sociais enfrentam; que cada instituição precisa encarar. Nem sempre o maior e o mais forte vence. Nem sempre o bem vence. Nem sempre o de coração sincero e de amor verdadeiro vence. Vence quem sabe pelo o que luta e, as vezes, nós perdemos não porque somos fracos, mas porque nos esquecemos o porquê lutamos. Por quem lutamos e para que lutamos. A cena inicial, como um flash back de como tudo terminaria também acaba não sendo necessária, mas a narrativa cumpriu com o seu papel.



Por Dione Afonso  |  Jornalista


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