Sem apelos para sentimentos vingativos e medo de encerrar vidas significativas para a franquia, a consolidação de um personagem principal forte e com senso de humanidade são os grandes motivos para o sucesso desta franquia. Mesmo insistindo em afirmar que aqui habita o capítulo final de Missão Impossível, inaugurada em 1996 nas mãos do diretor Brian De Palma, paira no ar aquela desconfiança de que o fim ainda poderá gerir novos começos. Missão Impossível 8: Acerto Final traz de volta Christopher McQuarrie dirigindo o quarto filme, desde 2015 com Missão Impossível 5: Nação Secreta. Tom Cruise como o irreverente Ethan Hunt, desde ter invadido a CIA em 1996, agora precisa lidar com um inimigo que ultrapassa qualquer sinal humano: a Inteligência Artificial. A obra se encontra em 30 anos depois e Hunt se reencontra com William Donloe [Rolf Saxon], desde a cena que entrou para a história.
Cruise retorna com os seus leais amigos: Luther Stickell [Ving Rhames]; Benji Dunn [Simon Pegg] e Grace [Hayley Atwell]. Retornam também Pom Klementieff e o vilão de Esai Morales; Shea Whigham; Hannah Waddingham; Tramell Tillman; Greg Tarzan Davis e Angela Basset enriquecem o elenco. A história dá continuidade ao Missão Impossível 7: Acerto de Contas, parte 1, em que Gabriel [Morales] ameaça controlar o mundo ou dizimar a humanidade inteira controlando a Entidade, uma IA poderosa armada para ativar destruindo tudo e todos. A missão, “caso aceite” consiste em ultrapassar os limites da vida, envolvendo hipotermia, reanimação cardíaca e um gesto de sorte de 30 segundos, ou, se preferir, “num piscar de olhos!”. Este é o primeiro filme de toda a saga que se conecta a um filme anterior, não sendo um capítulo isolado como os outros 6 filmes.
Algo que o filme acerta, e acerta muito bem é o de atualizar a ameaça fictícia com a realidade vivente. Por exemplo, em tempos de guerra, colocar uma ameaça nuclear ou biológica fez coro ao que vivíamos em tempos conflituosos. Agora, diante de uma sociedade digital em que as tecnologias avançam de forma desordenada e sem nenhum controle ético, o filme nos coloca exatamente onde muitos desejam estar, mas poucos temem conquistar: a (não) lógica da Inteligência Artificial Generativa. Neste momento, deparamo-nos com uma força artificial, robótica, virtual, perigosa e com consciência anti-ética que ameaça a existência do planeta. A Entidade consegue destruir tudo de dentro para fora. Um simples colapso na rede virtual pode dilacerar cada conexão que existe num simples rastro digital.
Em tempos de pós-verdade e de um “humanismo digital” ou de um “anti-humanismo”, a ambição humana se descontrola e perde sua racionalidade. É certo que o filme se entrega a alguns clichês, mas eles funcionam porque a narrativa se permite usufruir de algo que parece ser irrelevante. Temos que vangloriar a chegada de Tillman, um sargento de personalidade dúbia, mas que acaba sendo tudo o que resta à Ethan. Cada um ali, em alto-mar reconhece e tenta ser fiel à sua missão. Mergulhar num oceano, em busca de um submarino da Guerra Mundial, desaparecido parece ser “impossível”, como sugere o título de toda a franquia. Portanto, para Ethan Hunt e agora o recém-chegado Comandante Bledsoe [Tillman] apertam as mãos e fazem do impossível, possível.
Enquanto isso, Benji, Grace e Degas [Davis] tentam seguir com a segunda parte do plano. O que a equipe não espera é encontrar inimigos na missão. Tudo depende do bem suceder de ambos os lados e cada segundo é friamente cronometrado. Se um passo é dado com atrasos, ou Ethan morre congelado, ou o restante da equipe morre num ataque cruzado bélico. Quando Ethan Hunt, diante da sua presidente [Basset], tenta convencer o Conselho de que ele é a única chance de salvação da humanidade, a frase dita por ele soa como uma filosofia necessária: “O pensamento da Inteligência Artificial é ditado pelo o que ela aprendeu de nós”, e isso é dito para justificar que por mais que a Entidade seja poderosa, ela só fará o que o ser humano que a projetou comandar.
A presença de Christopher McQuarrie na franquia desde Missão Impossível 5: Nação Secreta em 2015 dá uma tonalidade aos filmes desde então. Tudo parece se reconfigurar numa jornada mais coesa – não que não estivesse até aqui –, mas a rotina ganha vitalidade e nova força. McQuarrie consegue atualizar os dilemas de cada missão. Podemos afirmar que ele consegue dar justificativas a cada ato ficcional que Ethan Hunt e sua equipe se destina a realizar. Até 2011, com Missão Impossível 4: Protocolo Fantasma, dirigido por Brad Bird, as narrativas conseguiam se concentrar no simples fato de ver Tom Cruise realizando acrobacias cinematográficas impensáveis e ficando a um passo de ser morto. Correr risco de vida em níveis sobre-humanos era o segredo chave para que a narrativa funcionasse.
Mas, McQuarrie chegou e deu novo vigor ao que já existia e funcionava bem. É significativo reconhecer que Cruise começa a dar a seu personagem mais humanidade, alteridade e senso ético. Não é mais a missão pela emoção, mas é a vida de todos que dependem de seu heroísmo sacrifical. Neste “impossível” último filme da franquia, as coreografias de cada embate corporal são bem mais planejadas e ensaiadas. Armas, facas, socos e chutes se cruzam em cada transição cenográfica. Até mesmo os coadjuvantes têm seus momentos de glória, mesmo em segundos de tela, mas o roteiro se beneficia de cada atuação e da força que cada ator e atriz tem na frente da tela. Se for aqui a despedida de Cruise e sua equipe e de toda a franquia MI, a despedida é regada de grande sucesso. Estamos satisfeitos.
Por Dione Afonso | Jornalista