A clássica obra literária de Mary Shelley, escritora britânica é um marco grandioso na literatura moderna. Pela primeira vez publicada em 1818, Frankenstein é o primeiro romance de Shelley e quando ela se decidiu escrever, as primeiras páginas foram redigidas durante sua pré-juventude, e seu desejo era e oferecer ao público leitor “uma história que impactasse e gelasse os corações de quem lesse. As páginas colecionam mais de 60 adaptações para o cinema, sem contar em séries de TV e minisséries que se inspiraram no livro. Frankenstein conta a história de Victor, um cientista audacioso que decide ultrapassar os limites da ciência e desafia a vida e a morte.
Em 2025 duas novas adaptações invadem as salas dos cinemas. Pelas mãos da cineasta Maggie Gyllenhaal, em dezembro será lançado A Noiva, um longa de terror baseado nas páginas de Shelley. Já o magnânimo e premiado cineasta Guillermo Del Toro lança, pela Netflix, Frankenstein. Del Toro confessou que leu o livro quando tinha 11 anos e, desde então teve o desejo em produzir o filme. No trabalho estrelam Oscar Isaac; Jacob Elordi e Mia Goth. Na nova versão, o cineasta consegue se aproximar ainda mais da literatura de Shelley e nos entrega mais de 2 horas e meia de uma narrativa monstruosa, fria, calculista e com um Victor Frankenstein louco, destemido e profundamente arrependido pelo que fez.
Em 1931, pelas mãos do diretor James Whale, Frankenstein é a obra mais famosa que os cinemas já presenciaram, mesmo não sendo reconhecida por ser a mais fiel. Ainda há uma narrativa versado em comédia. Em 1974, com O Jovem Frankenstein, Mel Brooks arrancou risadas do público a respeito de Frankenstein. Guillermo Del Toro tem seu jeito própria e sua marca registrada, consagrada e premiada na história do cinema. Três vezes vencedor do oscar: em 2018 duplamente premiado por A Forma da Água e em 2023 venceu o oscar por Melhor Filme Animação ao adaptar Pinóquio. Del Toro também é reconhecido por ser o diretor dos monstros do cinema. Em sua filmografia destacamos Cronos (1992); HellBoy (2004); O Labirinto do Fauno (2007); A Colina Escarlate (2015); O Beco do Pesadelo (2021).
Lidando com seres inimagináveis em sua carreira cinematográfica, Del Toro consegue nos fazer questionar sobre essa realidade maléfica e de ações complexas. Quem mesmo é o monstro nessa realidade toda? Será que Frankenstein ou nós? Quem é o monstro, afinal? O cientista Victor ou sua criatura? A metáfora é muito sutil, mas, ao mesmo tempo ela é bem direta e objetiva: na maioria das vezes a monstruosidade não parte do monstro fisicamente, mas parte da ação complicada de seres humanos, homens e mulheres que agem sem pensar e com o objetivo exclusivo de praticar o mal com outrem. Enquanto a criatura desejava amor e família, seu criador Victor, ricamente interpretado por Oscar Isaac é um ser humano que tendo tudo, não se satisfez. Tendo família e um lar, deu as costas a isso e se afundou em sua ambição.
A mensagem central de Del Toro se relaciona com uma forte clemência pela vida. “Você não me deixa morrer, você não me permite viver!”, é a frase mais emblemática de toda a narrativa. A criatura, interpretada por Jacob Elordi é a representação de um grande ser, que, mesmo por sua horripilante monstruosidade, ele é belo, alto, bem definido e que pode ter um bom coração. A criatura é munida de sentimentos e de desejos. Enquanto exilada, protegeu, defendeu e salvou uma família que mesmo não o acolhendo, ali ele encontrou abrigo e um lar. Mia Goth brilha como Elizabeth, interesse amoroso de William, irmão de Victor.
Dois destaques essenciais: toda vez que Goth entrava em cena, ela nos fazia suspirar. Kate Hawley, a figurinista bebeu do conceito gótico e abusou de cores vibrantes, muito luxo e em seus trajes há uma briga interna entre ciência e fé. Os vestidos de Elizabeth são majestosos, desde o primeiro vestido quando conhece a criatura até o dia de seu casamento, com um vestido branco que se embebeda pelo seu sangue na reta final é majestoso, na mesma medida que é triste e “desonesto”. Outro destaque damos a Dan Laustsen, o Diretor de Fotografia que também faz bem pela obra toda. A cena de abertura, que nos localiza em meio a uma geleira, no Ártico, em 1857 com uma embarcação presa ao lago congelado, é de tirar o fôlego. O capitão (Lars Mikkelsen) e toda a sua tripulação enfrentam o frio e o medo de não conseguirem retornar às suas casas.
É a partir daí que toda a história começa. É onde conhecemos Victor e sua criatura que o persegue. Temos dois filmes em um: primeiro o ponto de vista de seu criador que perde a cabeça, fica cego pelas maravilhas da ciência e se perde quando ultrapassa os limites da vida e da morte. Depois, de uma forma incrível, é a criatura que nos apresenta a história de seu ponto de vista. E é nessa hora que o monstro se humaniza, encontra a sua redenção e se revela alguém capaz de sentir, de amar. Ao desejar uma “noiva” para si, uma companhia, uma parceira, para vencer a vida de solidão a qual estava condenado, seu criador nega este pedido e mais uma vez o denuncia ao inferno. Se arrepende do que fez, e, talvez, aqui, o filme nos faz pensar que, talvez, quem seja o monstro não é quem imaginássemos que fosse.
Por Dione Afonso | Jornalista