Não é sempre que, ao ouvir que uma obra de Stephen King vai ser adaptada para as telas, ficamos interessados. O grande autor, que tem em sua biografia escritos memoráveis, nem sempre tem sorte quando estas histórias são recontadas pelas lentes das câmeras. Temos bons resultados como O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick, Doutor Sono (2019) de Mike Flanagan, Carrie, a Estranha (1976) de Brian de Palma e o criativo Christine, o Carro Assassino (1983) que foi dirigido por John Carpenter. Mas, também há aqueles que fizemos questão de esquecer, como O Telefone do Sr. Harrigan (2022), de John Lee Hancock, A Torre Negra, (2017) de Nikolaj Arcel, e alguns outros que acabaram sendo “excluídos” do nosso acervo mental. O fato é que King é consagrado em seus escritos, é difícil superá-lo quando o assunto é drama, terror e tensão na história.
Reconhecido como o “Rei do Crime”, agora foi a vez de A Longa Marcha ganhar sua adaptação para as telonas. Com alguns ajustes das páginas para o filme, o trabalho, que desta vez é dirigido por Francis Lawrence, consegue reunir em nós um misto de esperança, com um pouco de torcida até chegar aos sentimentos de angústia, medo e um pouquinho de desespero. A Longa Marcha: Caminhe ou Morra tem o protagonismo da dupla jovem Cooper Hoffman, que dá vida a Ray Garraty e David Jonsson como Peter McVries. Além deles, une-se à “linha de frente” desta caminhada: Hank Oslon, interpretado por Ben Wang; Arthur Baker, por Tut Nyuot; Billy Stebbins, por Garrett Wareing e Gary Barkovitch, interpretado por Charlie Plummer.
Uma caminhada que só tem um ponto de partida, regras a serem cumpridas, mas que há a ausência de uma linha de chegada. Além de ser acompanhada por câmeras, há o espetáculo final que é acompanhado por espectadores, curiosos em saber até onde cada jovem é capaz de ir para vencer algo na vida. Uma marcha que consiste colocar um pé na frente do outro e que nada ali foi feito para ser justo ou honesto. A “marcha” é idealizada, motivada e de uma forma escrupulosa, ordenada pelo Major (Mark Hamill). Um oficial do exército que acredita estar dando a estes jovens uma chance de vencer na vida e de se provarem que podem ser alguém de respeito. Hamill apresenta para nós um Major cego por suas ideologias e que acredita que o bem da nação consiste em desafios que nos levam à últimas consequências.
No primeiro ato do filme – muito bem construído, afinal – estabelece que tipo de personalidades nós iremos acompanhar pelos próximos minutos. Estabelece, de imediato o protagonismo de Hoffman e de Jonsson, que se cumprimentam antes mesmo da marcha começar e ali estabelece um estranho vínculo. Os dois tornam-se, primeiro parceiros, e depois amigos de verdade. Aos poucos vamos percebendo que há discrepâncias nas motivações de cada um para participar da marcha. Enquanto o personagem de Hoffman se apresenta um jovem frio, calculista, vingativo e sério; já Jonsson traz um personagem brincalhão, esperto, que, inclusive sorri quase a marcha inteira. O primeiro não tá interessado no dinheiro do prêmio, já o segundo, só pensa em ficar rico e esbanjar a vida.
Ainda temos um vislumbre de Richard Harkness (Jordan Gonzalez), o jovem metido a escritor que sonha em publicar um livro sobre a marcha, escrito por alguém que dela participou – tadinho –, já o personagem de Wareing é o jovem bombado e fortão, que põe medo nos outros participantes de físico menos escultural, aparente fracos e sem estrutura para suportar os quilômetros seguintes e, também conhecemos Barkovitch (Plummer), um jovem desprezível e que não teme ter que prejudicar alguém para vencer. Até porque, depois de três advertências, quem não seguir adiante, como o título do filme afirma: MORRE!
King e Lawrence, com o roteiro assinado por JT Mollner, conseguem nos enganar direitinho. Faz-nos torcer, apostar todas as fichas num candidato à vitória e, no último segundo, reverte toda a situação. Uma falsa esperança que nos deixa decepcionados, pega-nos desprevenidos e nos faz dar socos na poltrona, brigar e perguntar por que fez isso. Durante a longa caminhada os jovens protagonizaram diálogos políticos, religiosos e até sobre a situação social. Baker (Nyuot) carregava uma tradição oral de sua avó muito bonita e que tentou se firmar nela para se manter vivo durante a marcha. Já Olson (Wang), era aquele jovem adolescente que gostava da vida que levava, mas acreditava que a sociedade precisava de algo mais.
O trio Garraty (Hoffman), McVries (Jonsson) e Baker abordam a situação política com clareza da condição que o mundo vivia. Parecia ser um tempo pós-guerra em que O Major protagonizava uma espécie de “salvador da pátria” fajuto e desprezível. Alguém que, com o poder que tinha nas mãos, ao invés de fazer o bem e salvar o maior número de pessoas, usufruía da liderança que tinha para seu bel-prazer. Portanto, “a marcha” era mais um espetáculo estilo reality show para satisfazer seus desejos. Mesmo que ele tentasse mostrar para os espectadores que era um gesto nobre de sua parte. Por isso que o final do filme é angustiante, desprezível e imprevisível. Fizeram-nos acreditar que Garraty venceria; depois, acreditamos que Garraty e McVries iriam vencer juntos, como uma forma de mudar as regras. McVries, portanto, teve que suportar o peso de perder um grande amigo e vencer “a longa marcha”.
No final, era para ter sido escolhido o amor, ao invés da vingança; a fraternidade, ao invés da solidão; era pra ser escolhido a humanidade, ao invés das armas. Um bom filme. Uma obra que nos presenteou com atuações jovens que são um primor. Tomara que estes jovens atores ganhem mais trabalhos para mostrarem até onde são capazes de ir nesta profissão.
Por Dione Afonso | Jornalista