02 Nov
02Nov

Estamos vivenciando tempos difíceis em nossas comunidades e nas cidades do Brasil. O crime organizado insiste em sustentar a frágil ideia de que o medo e o poder compensam e são capazes de manter firmes uma boa relação humana. Mas não é assim que as coisas acontecem, felizmente. Enquanto de um lado a humanidade sofre com um sistema de corrupção policial somado aos males das drogas, o abuso bélico nas comunidades pobres e mal assistidas pelas políticas públicas e a falta de segurança, por outro, assistimos boas ações que brotam desses mesmos sistemas desumanos que serve humanidade. Um bom exemplo é Cidade de Deus: A Luta Não Para e Sintonia que conseguem mostrar muito bem esta realidade em sua mais frieza e verdade. 

Desta vez a Netflix emplaca mais uma produção para o streaming: Os Donos do Jogo que vai tocar numa ferida perigosa e ainda latente. A política proibida dos jogos do bicho, dos caça-níqueis, as maquininhas que levam ao vício e às apostas desleais. A história é criada por Heitor Dhalia, que também coordena a equipe de direção. Dhalia conta com um time muito competente de roteiristas que conseguem costurar tramas e subtramas dentro de uma narrativa concisa e direta. Mas, vamos ao time de atuações: inicialmente protagonizada por André Lamoglia, Xamã e Juliana Paes. Também temos boas atuações encabeçadas por: Stepan Nercessian; Mel Maia; Otávio Müller; Chico Díaz; Giullia Buscacio; Adriano Garib; Igor Fernandez; Henrique Barreira e mais... 


Uma história que merece mais 

É muito satisfatório quando a gente presencia uma produção que tem potencial de ir muito mais longe e que deixa sinais de que eles irão. Os Donos do Jogo é uma dessas produções. Dhalia, é natural de Recife e um produtor cinematográfico brasileiro muito versátil em suas produções. Já famoso por DNA do Crime, também da Netflix, ele, agora resolve ir mais fundo no sistema corrupto que rege as cidades brasileiras. O mercado ilegal das apostas, que iniciou sua organização na década de 1970 é retratado na série misturando elementos da realidade com um a liberdade criativa da ficção. Violência, impunidade, influência social e chefões de comunidade vão costurando uma trama de assassinatos, traições e sistemas por debaixo dos panos que vão se amarrando em nomes significativos, desde chefes de família com relevância e poder, até a policiais e membros políticos com influência e respeito. 

O mercado dos jogos de azar, na série, está no centro do Rio de Janeiro, contudo, este mercado ilegal de apostas domina grandes centros de todo o Brasil. Dhalia teve que contar com narrativas reais de pessoas de dentro deste negócio. Entrevistas e outros recursos de investigação e apuração tiveram que ser usadas para construir uma narrativa televisiva mais digna da realidade que amedronta e ceifa com vidas de muita gente em nosso país. Foi muito positivo a subtrama curta e direta do francês, em que Dhalia tentou traçar um paralelo com os cassinos norte-americanos. Num primeiro instante, a série tentou mostrar que o mercado do jogo do bicho meio que se inspirou na cultura das apostas de Las Vegas, a cidade do neon e das apostas. 

Há um crescente na trama principal: outro dado interessante e muito bem construído, mesmo que novelesco, foi a transição do interior, em Campos dos Goytacazes para o centro da capital carioca. Esta transição geográfica consegue fazer um perfeito paralelo também na expansão dos negócios e no crescimento de cada personagem. A personalidade de cada um vai se reconstruindo partindo de uma trama pobre que se enriquece na medida que os negócios também vão ganhando território, respeito e o mais importante: dinheiro. Uma geladeira velha, entulhada de maços de notas de cem reais foi uma das cenas mais brilhantes para mostrar este progresso narrativo. 


Vamos falar de Juliana Paes e André Lamoglia? 

Dois pontos positivos: Lamoglia está pronto para voar e ascender cada vez mais na cultura da Sétima Arte; enquanto Paes aprendeu direitinho que novela é novela e série de TV é série de TV. Que mulher impecável, que show de atuação que até mesmo no silêncio ela deu aula. Lamoglia, depois de sua passagem repentina e injusta pela série Eliteque não é um bom exemplo para seu currículo, agora ele revela a que veio. O rapaz interpreta o Profeta, o protagonista que chega de mansinho, vem da “classe baixa” do negócio, mas que chega impondo sua ideia e colocando sua cara a tapa. Lamoglia acaba fazendo uma dupla inesperada com Mel Maia, que dá vida a Mirna Guerra. Uma jovem ambiciosa, que entende de mercado de finanças e que aos poucos vai se interessando pelo ofício do pai. 

Juliana Paes é uma personalidade discreta, mas que sempre está com as unhas afiadas e pronta para atacar. Casada com um dos chefes da Cúpula, o Galego (Chico Díaz), Juliana interpreta Leila, a mulher traída que tem que abraçar o sistema e o casamento sendo submissa para garantir sua sobrevivência. Mãe do Profeta, fora do casamento, e que teve que abandonar o filho para a adoção, 30 anos depois o vê agora mais perto do que nunca. Guardando este segredo, até mesmo do próprio filho, Leila tenta construir uma aliança com ele, contra o próprio marido, arriscando sua vida e seu futuro. Os minutos finais da primeira temporada deixa subentendido que esta relação perigosa pode nos render bons capítulos para o próximo ano. 

Fazendo um breve resgate de sua filmografia, no mesmo ano Paes protagonizou Vidas Bandidas e Pedaço de MimEnquanto na primeira seu papel se aproxima muito do que vemos com Leila, em Pedaço de Mim, Juliana Paes entrega uma atuação dramática, sobrecarregada e muito humana, enquanto uma mulher que vive um dilema familiar inesperado e muito doído para uma mãe. O último episódio deixa boas pistas para um futuro incerto numa trama certeira: o filho de Leia com Galego, Santiago Fernandez (Barreira), assume o lugar do seu tio na presidência da Escola de Samba e como diz sua mãe: “ele se encontra numa daquelas encruzilhadas que podem mudar a nossa vida. Basta fazer a escolha certa, pois agora, ou sei pai te acolhe ou te repele para sempre”. O Profeta entra para a cúpula e os negócios crescerão sem controle e sem nenhum inimigo pela frente.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.